QUANDO DECIDI PULAR

Àquela hora da noite, eu desgraçava a vida, pagava meus pecados, torturando-me, caminhando lentamente rumo à ponte no local acima de onde as águas alcançavam a profundeza mais escura.

Enquanto a noite me envolvia em seu gélido manto, eu chorava silenciosamente por tudo que não tinha. Sentia as lágrimas aquecerem-me o rosto, salgadas e impiedosas. Minha visão borrada pelo ardor que sentia por dentro. E eu caminhava sempre em frente pela borda triste ao lado de onde as ondas quebravam e batiam em enormes paredes de rochas antigas.

Minhas vestes pouco aqueciam-me, pois o vento assoviante que vinha das águas trazia consigo o frio de longas viagens, o cheiro de sal que impregnava no ar. Meus sapatos de sola fina pouco aliviavam a dor de meus pés dormentes, que caminhavam incansavelmente rumo ao meu fim.

Embora a vida da cidade sussurrasse um chamado abafado de minha direita, eu limitava-me a olhar para o chão de úmidos paralelepípedos que compunham, perfeitamente encaixados, uma passarela à beira-mar. Nela eu desfilava rumo à minha única ambição: livrar-me da dor.

E a dor não me perdoava. Nem mesmo naquele particular momento de conflito. Era uma dor persistente e aguda. Dor cuja origem eu desconhecia, que a medicina não resolvia. Não sabia onde doía, mas ainda assim, machucava-me o corpo todo, entorpecia meus passos e embargava-me a voz. Era a dor de minhas escolhas.

A lua abençoava meu caminho madrugada adentro. E o quebrar das ondas convidava-me para conhecer uma terra sem fim. Estava, enfim, a alguns passos da resposta para o maior questionamento humano. Enfim alcançaria a razão pela qual, acreditava eu, vivemos todos. Chegaria ao iminente fim da curva da difícil estrada. O tão aguardado porto onde a humanidade enfim desembarca. Mas esperar não me parecia uma opção. Eu chegaria naquela noite.

Avistei o farol que guardava a baía. Ali era meu destino, onde as águas são fundas e escuras, onde a vida torna-se imensidão sem estrelas. Meu caminho estava chegando ao fim. As lágrimas, então, correram mais intensamente.

Mas por que chorar se enfim todo sofrimento iria cessar? Toda guerra e fome iria desaparecer de meu mundo? Não eram respostas que eu buscava tão bravamente? Por que chorar, se eu estava tão perto?

Aproximei-me da borda, onde o barulho das ondas era mais intenso, convidativo. Onde sentia o vento cortar-me o rosto, e a escuridão abraçar-me mais calorosamente. Parei, então, para tomar um pouco de frescor no rosto. Não sabia quando poderia sentir aquilo novamente.

A cidade estava quieta, porém, com um ar misterioso. Imaginei, então, o que eu estaria, por rotina, fazendo dali a algumas horas, se não tivesse tomado a mais difícil das decisões.

Fechei os olhos e então me vi de terno e gravata, me olhando no espelho de uma rústica penteadeira. E mãos delicadas me auxiliavam a dobrar a manga do paletó. Me vi encarando uma terna face, mergulhando em olhos profundos e serenos. Senti o calor voltar ao meu corpo, as lágrimas cessando. Os calafrios não me perturbavam mais. Só então abri os olhos e reparei em como o mar continuava a dançar serenamente, em como as ondas desmanchavam-se ao encontrar a grande borda da sociedade, de pedra e concreto, que subia até o ponto onde eu me apoiava. Reparei em como a quietude das águas era rompida pelo sacudir das ondas. Confiei meu peso ao frio corrimão para olhar mais adentro. E vi minha face fracamente refletida nas negras águas do oceano. Encarei meu reflexo até ele ser perturbado por uma pequena onda, que agitou a superfície de meu espelho. E vi que pequenas pétalas nadavam pela salgada água. Olhei em volta e a vi. Uma mulher extremamente jovem, de olhos tristes e inchados, segurando um buquê de rosas. Rosas das quais arrancava as pétalas, e oferecia às águas que as levassem. Ela também chorava.

Algo naquela cena fez-me pensar no amanhecer. Em como desejava o amanhecer. Pensei em como subitamente planejava o outro dia. E o futuro voltou a pôr se em meus planos. Virei as costas para meu antigo destino e caminhei até a bela mulher com as rosas brancas. Não sabia seu nome, ou sua história. Mas poucos confiam na madrugada para curar suas dores. E estes são os que mais sofrem. Olhei para seu sereno perfil, para seus olhos. Olhos para os quais eu não devia ser mais que um vulto, ou uma sombra. Uma sombra a mais em meio à escuridão que certamente a envolvia. Nunca soube as razões que me levaram a cometer tal ato. Nunca sequer imaginei por que perturbei o silencioso choro da mulher com as rosas. E naquele instante de rebeldia, eu pareci alheio àquele que caminhava rumo à noite eterna. Ousei chegar mais perto. Com o coração disparado, disse um "olá".


NOTA: Gente, o comentário de vocês é super importante pra mim saber o que vocês estão achando, onde  melhorar etc. Comentem se aprovaram a ideia do conto da madrugada e quiserem que eu continue. ;)

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